FALA
A menina estava na escola, aprendendo a ser o que
um dia seria plenamente: ela mesma, maior - e mais
sabida. Era tão alegre que até incomodava. Mas a alegria é
assim, ruidosa, mesmo se a cultivamos
só dentro de nós, nos abafados do coração.
Então, o susto de uma lição nova. Estava sozinha
em casa. A mãe, nas compras. O pai chegou. Ela correu,
feliz, e se pendurou no pescoço dele. Mas, estranhamente,
ele não a soltou. Não. E, depois que o fez, ela se viu
como uma boneca quebrada. E aí aprendeu que a dor na
memória arde mais do que no corpo.
A mãe não notou a verdade em seu rosto, nem ninguém
na escola, em parte por miopia, em parte porque a alegria
tem muitos disfarces. Achavam que a menina era a mesma.
Só andava menos falante.
Quando o pai chegava em casa sorrindo, ou entre outras
pessoas, agia como antes, e ela emudecia.
Era o seu avesso: uma menina na calada do dia! E aí
aprendeu que o silêncio era o seu medo no último volume.
Ele se repetiu outras vezes nela, esmagando,
aos poucos, o que restava de sua incômoda alegria.
E já quase sem voz, a menina aprendeu o que era a solidão.
Assim estava, tão dolorida, tão sem esperança...
quando, de repente, se inflou de coragem - uma coragem
que só uma menina triste é capaz de ter. E, então, mostrou
a todos que reaprendera a primeira e mais difícil lição.
Reaprendera a falar. E falou. Tudo.
JOÃO ANZANELLO CARRASCOZA
quarta-feira, 19 de maio de 2010
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